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“Deixai vir a mim os pequeninos, não os impeçais”. (Mt 19.14)

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Às vezes, busco refúgio, em digressões teológicas quando me deparo com crises incontornáveis. Certa feita durante um sepultamento, diante da repentina morte de uma criança, uma mãe em desespero perguntava ao pastor que ali estava: “pastor minha filha foi para o céu?”, percebi o desconforto no colega, pois os pais da criança não eram crentes, e ele começou a devagar e desconversar. Então, me apressei e respondi: Sim! Tua filha está nos braços do Senhor! Minha assertiva não se baseava em minha opinião ou apenas em nossas crenças comuns da igreja reformada, tal como o célebre teólogo Charles Hodge afirma “todos os que morrem na infância são salvos!”. Minha assertiva acompanhava o pensamento de nosso Senhor Jesus Cristo a respeito dos pequeninos e da infinita justiça de Deus e ali expus o evangelho, livre do romanismo, para ela. Aquela mulher ficou serena e bem confortada pelo Espírito Santo, apesar das lágrimas que corriam em seu rosto como um rio em época de cheia.


As inferências teológicas no dia do incidente alimentar com minha filha Camila passavam ao largo de minha memória. Ali no carro, buscando socorro, em meio aos gritos de desespero da minha esposa, orei aflito e tive uma estranha sensação de que até mesmo o tempo parece ter parado de passar. Aconteceu algo. Sim, certamente aconteceu algo que bem depois entenderíamos e que marcaria para sempre as nossas vidas.


As palavras de Lutero realmente hoje fazem sentido para mim, “Não sei por quais caminhos Deus me conduz, mas conheço bem meu guia”. Sem perceber como, de repente, as ruas ficaram tranquilas. Repentinamente, sentíamos uma leve brisa, não apenas a que entrava pelas janelas do veículo, havia algo especial que preenchia o ambiente. Lílian havia ficado mais calma, pois nossa filha voltou a respirar.


Naquele dia foi constatado que Camila possuía uma hipersensibilidade a lactose e com o tempo e os exames adequados, o prognóstico dos médicos era de que ela deveria conviver com a doença. A infância foi difícil devido às restrições alimentares. Minha pequena filha não podia sequer ser tocada por alguma coisa derivada do leite e muito menos ingerir. Apesar de toda cautela, não foram poucas às vezes em que levamos às pressas Camila a unidade de emergência de algum hospital, além de submetê-la a um sem número de tratamentos. Entretanto, parecia que cada vez mais as crises pioravam. Precavidos e cuidadosos sempre líamos os ingredientes de todos os produtos, no que passamos a chamar gentilmente de “bula”. Buscávamos por informações cruciais, pois, os produtos não podiam conter em sua formulação leite ou um dos seus derivados. Às vezes, uma inofensiva balinha, que não trazia as informações corretas na “bula”, era um terrível veneno para Camila. Antes de dar para ela comer algo novo, passávamos sobre sua pele, se desse alguma reação alérgica, lavávamos imediatamente e dávamos o anti-histamínico para amenizar a crise. Algumas pessoas quando informadas do problema, inicialmente, duvidavam, e, às vezes, as escondidas, davam um doce ou alguma coisa para Camila comer: como queijo, um pedaço de bolo, ou biscoito, ou pingo de leite, uma cocadinha, ou outro produto com derivado de leite. Ficavam atônitas após o “desastre” e a triste constatação de que não exagerávamos nem um pouco quanto ao problema. Muitas em lágrimas diziam “eu dei só um pedacinho para não ‘aguar’ a criança”. Foi assim que a Camila com dois anos de idade passou ela mesma a não aceitar alimentos de ninguém a não ser dos seus pais. Podiam oferecer o que fosse. Ela não comia! Passou a infância sem saber o que era um bolo, sorvete, iogurte, pudim, leite condensado, ou outras delícias “engordantes” derivadas do leite. Aos cinco anos, devido aos intensos cuidados as crises diminuíram, mas, às vezes, no mercado, ela sem querer encostava em alguma coisa que estava suja de leite e, pronto, era um desespero, tínhamos que dar imediatamente o antídoto que diminuía a crise alérgica, mas não evitava.


Todos na escola estavam avisados, porém, naquele dia foi em casa, durante uma brincadeira, lançaram no rosto da Camila um copo de iogurte, pegando em seus olhos e rosto, que imediatamente “incharam”, tendo consequente edema de glote, seus olhos ficaram extremamente irritados e seu rosto desfigurado. Foi terrível, naqueles dias nós estávamos passando por outras grandes lutas e provações e aquele fato, que levou nossa filha a passar o dia inteiro internada foi a gota d’água num balde de tristeza que já estava quase derramando de tão cheio. Eu e Lílian fomos ao fundo do poço, sentíamos nossa força se esvair. Depois de voltar do hospital com Camila ainda debilitada, sentados no pequeno sofá da saleta de nossa casa, doloridos, sem recursos, não podíamos fazer mais nada. Choramos e orando balbuciamos um pedido a Deus. “... um motivo para nos alegrar!”. Ao voltar para o quarto fui observar a pequenina, que já demonstrava sinais de desesperança. Com dificuldade de respirar, seus olhos cansados encontraram os meus, e com cuidado e profundo interesse ela perguntou: Pai, Jesus vai me curar?
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Alcançados pela Graça!

C. F. Henriques

DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS

PARTE III

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